Campelo Filho

Estado tem obrigação constitucional de reconhecer função social da empresa


Estado tem obrigação constitucional de reconhecer função social da empresa

Há 8 anos, em 2016, o site Conjur publicou um artigo de minha autoria com o mesmo título acima (https://www.conjur.com.br/2016-nov-27/francisco-campelo-estado-reconhecer-funcao-social-empresa/). De 2016 para cá, a situação não mudou nada, quiçá tenha até mesmo piorado. O certo é que a atividade empresarial no Brasil é vitimada por uma nefasta cultura comum que coloca o seu agente, o empresário, como um vilão, explorador do trabalho e que visa unicamente o acúmulo de riqueza. Faz-se extremamente necessário que esse pensamento seja desmistificado, inclusive porque faz parte do senso comum das pessoas, especialmente daquelas que não conseguem enxergar a verdadeira realidade do que enfrenta o empresário no Brasil.

É preciso, pois, extrair esse pensamento secular (medieval) do senso comum da sociedade, considerando que, na verdade, a atividade empresarial cumpre uma função social essencial para o desenvolvimento socioeconômico do país, em que pese o lucro ser algo inerente àquela própria atividade, e isso é por demais óbvio, porque não se empreende uma atividade empresária, onde se investe tempo e capital, sem que a obtenção de lucro não esteja dentre os seus objetivos.

A questão é que, muito mais que o lucro, a empresa cumpre uma função social das mais relevantes, a qual, dada a sua importância, está inserida na própria Carta Constitucional de 1988.

De fato, em análise à vigente Constituição brasileira depreende-se que o legislador constituinte reconheceu a importância da atividade empresarial, podendo-se inferir que função social da empresa é (deve ser) alcançada na medida em que se observa a solidariedade (Constituição, artigo 3°, inciso I), a promoção da justiça social (Constituição, artigo 170, caput), se respeita a livre iniciativa (Constituição, artigo 170, caput, e artigo 1°, inciso IV), se busca o pleno emprego (Constituição, artigo 170, inciso VIII) e a redução das desigualdades sociais (Constituição, artigo 170, inciso VII), reconhece o valor social do trabalho (Constituição, artigo 1°, inciso IV) e da dignidade da pessoa humana (Constituição, artigo 1°, inciso III), enfim.

É preciso ressaltar que a os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa estão elencados como princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, IV, da Constituição de 1988), ou seja, são fundamentos, base, servindo de estrutura de sustentação do modelo (neo)liberal e social (não)intervencionista escolhido pelo legislador constituinte.

Deve ser observado, ainda, que o próprio legislador infraconstitucional brasileiro, antes mesmo de todos os comandos constitucionais supracitados, já na Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), nos artigos 116, parágrafo único, e 154, se pronunciavam sobre o cumprimento de uma função social por parte das sociedades empresárias

Também a Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/2005), em seu artigo 47, que fundamenta o próprio instituto da recuperação, reconhece a função social da empresa e a necessidade de sua preservação.

O Supremo Tribunal Federal, através de acórdão de relatoria do Ex-ministro Cezar Peluso, nos autos do Agravo de Instrumento 831.020, publicado no DJe-158, de 13 de agosto de 2012, ensina que o direito de propriedade, seja material ou imaterial, deve ser exercido observando-se a função social da empresa, e ainda ressaltando que a observância da função social do direito que se exerce encontra-se disseminada por toda a Carta Magna.

Quem também traz instrutiva contribuição é o jurista Manoel Pereira Calças ao defender a preservação da empresa pela sua relevante função social. Diz ele: “Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do país, deve ser preservada sempre que for possível”.

Percebe-se, assim, o reconhecimento pela Corte Suprema brasileira e pela doutrina, não somente que efetivamente as sociedades empresárias têm uma função social a cumprir, mas também, que essa função social se reveste de grande importância no contexto do modelo econômico-político-social brasileiro, inclusive sendo garantida a proteção à existência delas.

No já referido Projeto de Lei do Novo Código Comercial (PL 1.572/11), seu artigo 7º também traz expressamente a importância da empresa dentro do contexto social. Nesse toar, a função social da empresa, ao tempo em que se exterioriza, também serve de base para fundamentar a própria necessidade de preservação das sociedades empresárias, até porque, não há como as sociedades empresárias cumprirem uma função social se elas, sociedades, não existirem.

Difícil compreender, portanto, as razões do Estado em desconhecer na atividade empresária um importante e fundamental agente social. Basta observar que são as empresas as que absorvem a maior parte da mão de obra disponível, diminuindo o desemprego via de consequência. São as empresas as que mais recolhem tributos aos cofres do Estado, os quais permitem que este possa realizar as suas políticas públicas (o que não vem ocorrendo, infelizmente). E são também as empresas as que, através de diversas obrigações sociais que realizam, terminam por substituir e aliviar parte da responsabilidade social do Estado.

Urge, pois, que os falsos paradigmas sejam quebrados, que a verdade seja exaltada, que a realidade se descortine, para que todos, e em especial o Estado, possam efetivamente compreender a verdadeira função social da empresa e a sua essencialidade para a existência da sociedade.

CAMPELO FILHO - Advogado. Pós-Doutor em Direito e Novas Tecnologias pela Mediterranea International Centre for Human Rights Research da Università Mediterranea di Reggio Calabria – Itália. Doutor em Direito e Políticas Públicas pela UNICEUB (Distrito Federal). Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Rio Grande do Sul). Curso de ESG, Inovação e Transformações Tecnológicas pela École de Management da Universidade de Paris 1 – Panthéon Sorbonne. Conselheiro do SEBRAE-PI. Diretor Regional do SESC/AR/PI. Membro Consultor da Comissão Especial de Proteção de Dados do Conselho Federal da OAB.






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